Avenida dos Sonhos, 1988

Escritos cômicos e cósmicos...

segunda-feira, julho 19, 2010

Cinema, escrita e sonhos

Abre los ojos (Espanha, 1997, Dir.: Alejandro Amenábar) é poesia com imagens. Seria mais um filme espanhol esquecido nas prateleiras de locadoras especializadas não fosse o interesse do cineasta Cameron Crowe. Os únicos filmes que assisti desse cara foram tão legais em termos estéticos e do que representaram pra mim que eu o elegeria para traçar a minha biografia, pois até minha história sem graça ficaria aterradora contada por ele. Presunção a minha, não? Eu, eu, eu, parece que só falo de mim nessas linhas. Pois é.
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Descobri que, por mais que eu tente, meus textos para o vinagre sempre saem num tom pessoal e opinativo. Não sei se é pela necessidade de expor minha visão, pela falta de talento em praticar a neutralidade ou por pura teimosia. Fato é que vou parar de lutar contra isso, afinal, esse é o meu blog, são as minhas opiniões que valem por aqui. Tentei até hoje torná-lo um veículo jornalístico, mas talvez ele sirva a essa função em outro momento. Esse é o único espaço em que tenho total liberdade para pensar, escrever e divulgar minhas opiniões, restritas à minha vivência e àquilo que acho interessante ou digno de nota. Pronto, peito descarregado, continuemos.
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Uma obra de arte tem seu sentido único, às vezes mutável, é verdade, mas ímpar para cada pessoa que a contempla. Essa é a minha máxima favorita do cinema, a qual me apego tão fortemente por se tratar de uma verdade incontestável. Filmes idiotas, bobinhos, sem um roteiro ou produção decentes às vezes nos tocam de uma forma inesperada e, talvez até motivado por isso, prazerosa. Há um bom tempo eu “não julgo um livro pela capa” (ou um filme pelo pôster). Não digo que nunca o fiz, é comum a gente ter opiniões avessas e injustas – a ignorância em sua essência – mas a vida me provou (ainda bem) que, mesmo que doa, ao queimarmos a língua estamos nos certificando que somos humanos e compreendendo, cada vez mais, que não existe certo ou errado, apenas pontos de vista.
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Acredito que há pessoas do meu convívio, algumas próximas, outras nem tanto, que julgam/condenam o fato de eu consumir com muito gosto, às vezes com reverência, produtos do mainstream (em sua maioria comerciais, amplamente criticados entre rebeldes-neopunks-intelectualetes do Delta - se você cursa a Metodista, sabe do que digo - que sobem e descem a Rua Augusta com seus cachecóis listrados, Ray Ban último modelo e Converse old school nos membros inferiores). Eu não ligo para rótulos e já faz tempo que não faço distinção entre “galeras”, apesar de uma ou outra me agradar mais do que os X núcleos que me rodeiam, e não quero (e isso é uma decisão corajosa, por menos que possa parecer) me enquadrar em nada além daquilo que me adicione e me dê prazer. E, no caso específico de filmes, eu sinto prazer com super-heróis assim como com dramas existenciais latino-americanos. Não há mal nenhum nisso.
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Essa turma citada, diferente de mim, não vai à sala de projeção por puro preconceito, por princípios que devem, todos os dias, ser contestados. Uns não encaram um drama chileno sobre funcionários de uma empresa de seguros apenas por ser um drama chileno sobre funcionários de uma empresa de seguros. Outros são exatamente o contrário e desistem de acompanhar as proezas de Tony Stark em sua armadura reluzente, enfrentando terríveis inimigos clichezados em outras produções ano após ano. Prezo pelo meio termo. Não recuso um convite para o cinema, seja o filme qual for (só dependendo da companhia) e muitas vezes me surpreendo com meu entusiasmo por histórias aparentemente comuns. Como dito, pura poesia com imagens.
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Mas estou descrevendo Abre los ojos. César é um bom vivant, herdeiro de uma fortuna e mulherengo que, certa vez, apaixona-se por Sofia, uma doce garota que lhe é apresentada por seu melhor amigo. Parece aí surgir um amor verdadeiro. Então Nuria, a mulher com quem César dormiu poucas noites antes, dá uma de louca e joga-se do penhasco num carro em alta velocidade. Com César dentro. A partir daí, uma confusão se estabelece. Aliás, desde o começo, não sabemos direito o que está acontecendo. César parece estar preso numa espécie de prisão-hospital e conta sua história, em ordem cronológica, para o seu psicanalista, Antonio, tentando entender (ou se lembrar) o que está fazendo por ali. No meio do filme, uma certeza surge: Sofia está morta. Será um sonho, ou melhor, pesadelo?
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É impossível fazer uma sinopse completa e fiel do que a tela nos apresenta. Fato é que nos causa sensações e emoções únicas, tão únicas capazes de fazer um bem sucedido cineasta empreender seu esforço, talento e até senso crítico numa “adaptação” norte-americana. Maus olhos é pouco para como o mundo recebeu Vanilla Sky (Estados Unidos, 2001, Dir.: Cameron Crowe), a tal da versão estadunidense. Mas o incrível do cinema é justamente isso: as incertezas de sucesso, a torcida contra e à favor, o fato de um baita fracasso em bilheteria não ser, necessariamente, um fracasso. A eterna discussão entre cinema arte e cinema produto. Hoje não importa mais por quais motivos Vanilla Sky foi produzido, apenas o que restou de tudo (no caso, um DVD em minha estante e milhares e milhares de impressões pelo universo).
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Em suma, foi o filme que, para mim, quebrou a invisível barreira que divide os diversos “cinemas” que existem na cabeça e na concepção de todos. Irmão gêmeo e rico do título espanhol, ganhou o mundo em grande parte por trazer nomes como Tom Cruise e Cameron Diaz no elenco, além da direção prodigiosa do já citado cineasta, que apenas por ter ministrado Quase Famosos (Estados Unidos, 2000, Dir.: Cameron Crowe) mereceria um lugar ao Sol. Vale lembrar que Crowe foi acusado por muitos de ser um grandessíssimo usurpador, pois as histórias de ambas as produções são idênticas. Idênticas! Até Penélope Cruz reprisa seu papel (a utópica Sofia), o que deve ter-lhe dado no saco por aturar os espíritos da trama por três, quatro anos (após a finalização de Vanilla Sky, parte da equipe, inclusive os dois atores principais e o diretor, promoveram-no em diversas cidades do mundo, numa louca e cansativa maratona de premiéres, coletivas de imprensa, etc. e tal). O resultado foi mágico, para quem assistiu e, sem a menor dúvida, criou. E o fato de ser uma superprodução hollywoodiana em todos os sentidos não desmerece em quase nada a sinceridade de cada claquete fechada. Não há como descrever a experiência, mas se você gostou, provavelmente foi pelos mesmos motivos que eu – mas, acalme-se. Está tudo bem se foi somente pela pinta em forma de coração que Penélope exibe em seu colo.

3 Comments:

Anonymous camilla said...

Preconceito dos alienadinhos do outro lado. Acham que não alienados mas são do mesmo jeito. Tem muita coisa no mainstream tipo Velozes e Furiosos...

8:04 PM  
Blogger Unknown said...

Honestamente é longo mesmo, eu não li tudo e nem pretendo ler. Prefiro quando vc conta, tem um pouco mais de emoção e ainda posso perguntar coisas no meio do caminho, e no final provar que você está errado...

Beijo+meliga!

8:42 PM  
Blogger Unknown said...

Dudu, ao que me lembro, Vanilla Sky é uma adaptação assumida de Abre los ojos. Quando li o seu texto, me pareceu que você disse sobre o Cameron Crowe ter roubado a idéia do roteiro. Viajei?

8:49 PM  

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