Avenida dos Sonhos, 1988

Escritos cômicos e cósmicos...

terça-feira, dezembro 07, 2010

1984: a distopia máxima do século XX

Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força. Parece impensável que qualquer ser humano considere essas três frases aceitáveis em qualquer esfera de entendimento. Mas após o fim da leitura de um dos grandes Clássicos do século XX - mais uma vez, para minha admiração, um Clássico assim, com “C” maiúsculo - parecemo-nos convencidos que até a mais incrível mente que possa ter habitado o planeta seria capaz de sucumbir e aceitar tais slogans como verdades absolutas.


1984 é um daqueles livros que, para nós, leitores por opção, dá vontade de reler assim que chegamos ao seu excepcional parágrafo final. Todos os detalhes e características únicas do romance de George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair) merecem ser criteriosamente esmiuçados para ficarem eternamente gravados no lado esquerdo de nosso lobo frontal.


Eis os pilares da obra: sistemas politicos totalitários, lavagem cerebral, perda total de privacidade, para ser sucinto. Temas que hoje soam corriqueiros, mas que entraram no intelecto coletivo graças a essa e outras obras que se dedicaram, principalmente, a alertar e demonstrar ao mundo o que ele poderia se tornar caso os cuidados necessários não fossem tomados para a construção de uma civilização humanizada. Bem sucedidos ou não, fato é que a sociedade reconhece o valor de um dos maiores catalisadores da análise sócio-econômica ocidental ao celebrar 1984.


No ano em questão, Winston Smith, um funcionário público, como todos os integrantes da Oceânia (o grande bloco formado pelas Américas, Grã-Bretanha e sul da África), começa a dar atenção à pulga que sempre viveu atrás de sua orelha. Num mundo onde qualquer expressão de individualidade é punida com sua transformação em despessoa (desaparecimento, morte ou pior), o ato de cogitar a compra de um simples diário pode determinar o resto de seus contados dias.


Essa é a primeira grande empreitada de Winston, estabelecer uma relação direta com alguma forma de opinião não influenciada pelo Partido Socialista Inglês (ou Socing em novafala, a língua oficial de Oceânia), que determina absolutamente tudo, por meio dos Ministérios da Verdade, da Paz e da Pujança - em ordem, os órgãos que cuidam das mentiras a serem divulgadas;do planejamento e da execução de uma guerra contínua; e da completa restrição a tudo o que for necessário para uma sobrevivência. Em meio ao pensamentocrime e o ato em si, Smith acaba por se aproximar de Julia, a personificação do que ele concebe como verdade, e de outras realidades que jamais pensara existir - pelo menos em plena consciência.


O desenrolar da história, nada óbvio para quem não leu nenhuma resenha ou crítica estraga-prazeres, só faz afirmar a verdade absoluta do autor, de que todo homem é vulnerável, frágil e propenso ao desaparecimento precoce, diferentemente de uma idéia, que pode durar milênios a fio, cada vez mais fortalecida. E, como aperitivo, tal qual grandes obras-primas, há interessantes questões que nunca serão completamente definidas ou equacionadas (para os que já leram: afinal, o Grande Irmão e Goldstein realmente existem ou existiram? O Livro foi escrito por Goldstein ou é apenas uma das formas de atrair todos aqueles que acreditam estar acima do Partido, uma simples isca? O que é real e o que é mentira do que nos conta Winston, já que o que se pode verificar apenas é a memória, que nos trai tão facilmente?).


A edição brasileira da Companhia das Letras ainda nos brinda com os brilhantes posfácios de Erich Fromm, escrito pelo psicanalista, filósofo e sociólogo alemão em 1961; Ben Pimlott, historiador especializado no pós-2º Guerra Mundial na Inglaterra, cujo texto foi auferido em 1989, cinco anos após a fatídica data orwelliana; e, em minha opinião, a cereja do bolo, escrito em 2003 pelo novelista Thomas Pynchon, que além de atualizar as questões para nossos dias, o faz misturando temas recorrentes em sua própria obra. 1984 é fermento para discussões políticas, sociais, culturais e artísticas, uma experiência literária única, extremamente recomendada e que deve ser revisitada quantas vezes for possível.