Avenida dos Sonhos, 1988

Escritos cômicos e cósmicos...

quinta-feira, janeiro 26, 2012

400º Pynchon

Ainda estou digerindo a ideia, mas, aos poucos, vou me conformando que, em um ritmo alucinante, no fim da vida terei lido quatrocentos livros. Apenas. Estou com 22. Fiz a conta pegando o número de obras que desfrutei até hoje - cerca de 40 - e a média de livros que devoro por ano, seis, na minha velocidade-tartaruga. Chutando a data de minha morte lá para 2070, restam-me pouco menos de seis décadas para realizar todos os feitos que um ser humano pode se dar ao luxo de concretizar em plenas condições físicas e mentais. Só quatrocentos. Quisera eu que a literatura essencial do universo contasse com apenas quatrocentos exemplares.


Por sorte - ou destino... “estava escrito!” -, conheci há pouco mais de um ano um autor norte americano que pode preencher essa lacuna cultural para a ocasião sublime que é a vida humana na Third Rock. Thomas Ruggles Pynchon, Jr. não é apenas um dos canais que as entidades superiores do pós-modernismo escolheram para representar sua vibrante e magnífica voz. Não. Aliado de bom gosto, eruditismo e a petulância de ter nascido no século XX - longe de outras mentes equivalentes da literatura -, Pynchon encara o mundo - não os jornalistas - e o transcreve com os olhos de um velho, um ancião tomando sopa, que espera a morte depois de ter vivido por eras a observar as potencializadas reações do animal humano.


Rasgação indevida? Talvez, não li (ainda) tudo de sua Magnum opus. Mas O Arco-Íris da Gravidade é um daqueles escritos cósmicos, que na primeira linha - “Um grito atravessa o céu. Isso já aconteceu antes, mas nada que se compare com esta vez.” - já é capaz de distorcer os metais sobre a cabeça do leitor. Páginas e páginas de paranóia, relatos históricos, sonhos, fantasias bipolares de amor e ódio, o conjunto de ideias dos mais impressionantes que um jovem frequentador assíduo de leituras diversas já se deparou.


Nada de one hit wonder. Até mesmo a menor de suas novelas, o malfadado-por-ser-novo-e-menos-pé-na-porta Vício Inerente - que ainda estou pegando no tranco -, procura travar uma batalha contra a metralhadora de palavras-pensamentos-crime que é a força motriz de sua inspiração e abundante produção. Com enredo simples, direto e relativamente árido, a trama e seu autor encontram espaço para divagar sobre aspectos da vida suburbana na costa oeste americana no início dos anos 70 - que poucos romancistas são aptos por não terem vivido o período tão à flor da pele, ou seja, sem uma referência consistente da efervescência contracultural que influenciou e foi influenciada por seus expoentes máximos, como o próprio Pynchon. Fãs da série Starsky & Hutch, sucesso da segunda metade daquela década nos Estados Unidos, e do pai do gonzo jornalismo, Hunter. S. Thompson, são os que mais se deliciarão com as 464 páginas da versão brasileira, que apesar de não prender os olhos, funciona ao executar um bom meio de campo entre o mundo real e entediante daqueles dias e o imaginário doidão de um detetive particular louco de maconha e LSD. Amor, mistério, crime, a salada toda com um tempero ácido.


Publicado na terra do Sarney pela Companhia das Letras, o acervo do autor estadunidense é, de certo modo, muito vasto, apesar das poucas obras em mais de 40 anos de carreira - sete romances, apenas cinco no Brasil, e uma coleção de contos inexistente por aqui. A vastidão citada refere-se ao volume de sensações diversas que uma única hora de leitura pode proporcionar a quem se aventurar por entre as páginas carregadas de significados. Se o quadringentésimo volume não for colhido da estante no alto de meus 80 anos, nada de perturbações pueris. Pynchon estará sempre ao alcance dos meus ávidos e já cansados olhos.

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P.S.: E aqui temos Pynchon defendendo ninguém menos que Ian McEwan (autor-sensação do romance Reparação, vencedor do British Booker Prize – e o livro pegando pó na minha estante) das acusações de plágio contra a realidade. A carta que fez o autor escapulir do sumiço está ali, clara e limpa. As mentes se protegem nesses momentos de crise intelectual.