Avenida dos Sonhos, 1988

Escritos cômicos e cósmicos...

quinta-feira, junho 17, 2010

It's hard to explain

Estaria mentindo se dissesse que escuto muitas outras bandas e artistas além de Los Hermanos, Strokes e Felguk hoje em dia. Existem umas 20 outras preciosidades que vira e mexe fazem rodízio no meu MP3 Player, fora as cinco permanentes que um dia ainda hei de revelar. Fato é que nem sempre fui fã dos citados acima, inclusive dois deles entraram no meu campo de consciência (e abalaram sísmicamente as estruturas) há pouco mais de um ano. E olhe lá.
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A primeira música que ouvi do Los Hermanos (descontando "a mais pedida", regravada por Roy Orbison e George Harrison, motivadora do ódio que muitos sentem pelos intérpretes e - ótimos - compositores) figura no primeiro álbum e se chama Azedume. Uma baita duma surpresa, por sinal. Quem acha que Ana Júlia catalisa a essência do quarteto carioca 1) não percebeu que está no século XXI ou 2) não sabe que a música popular brasileira pode surpreender em níveis quase perturbadores. Eu me encaixava no segundo grupo e, ao desfrutar, em seguida, do tenaz álbum de estréia (Los Hermanos, 1999) na íntegra, pude perceber o quão chucro em música eu ainda consigo me provar. Uma atrás da outra, as músicas pareciam se completar, tal era o meu interesse pelos sons dos metais de sopro, guitarras distorcidas e vozes cheias de amor, ódio - emoção. Hoje eu considero Ventura (2003) a obra-prima do "rock" (quem se atreve a me dizer do que é feito o rock?) brasileiro da primeira década desse novo milênio, mas a surpresa de Azedume e companhia ainda me faz balançar a cabeça em agonia e êxtase. HA!
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Com os Strokes a mesma coisa. Tenho o privilégio de possuir amigos que entendem aquilo que quero dizer sem muita explicação. Um em particular é o único que me entende quase que completamente quando o assunto é música, e expliquei a ele a minha teoria básica das bandas: a maioria delas coloca tudo do bom e do melhor em seu primeiro trabalho, querendo impressionar público, crítica e, às vezes, a si mesmas. Com a evolução desses grupos, os álbuns, em geral, começam a contar com o que chamamos de "filler" (que vem de "to fill", preencher em inglês), músicas que estão longe de merecerem a atenção que outras obras de arte recebem. Is This It (2001) foi eleito (não só) por mim o melhor disco com guitarras desde Nevermind (do Nirvana, 1991), e parece não possuir nenhuma "filler" em seu repertório, caso raro mesmo para um disco de estréia. DE NOVO - uma após a outra, as músicas são interligadas, conectadas. Parecem, inclusive, tocadas em sequência, com o mesmo efeito nas guitarras de Albert Hammond Jr e Nick Valensi, do primeiro ao último riff.
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E de onde vem a inspiração para que primeiros álbuns sejam tão impactantes? Convenhamos, nem todos o são, mas muitos tentam. Existem, claro, aquelas bandas formadas por produtores de renome, que conseguem se sobressair pelo talento individual. Mas vejam só o exemplo do Brasil: quais bandas você se lembra que tenha durado mais de cinco anos no topo do Pico da Neblina? Poucas, não? A cada estação uma nova tendência surge e, SIM, há qualidade no meio, mas ficamos cansados de procurar. Cada um em seu estilo, o rock brasileiro acaba por ser nivelado por baixo segundo os próprios consumidores. O alvo das grandes gravadoras não são mais pessoas como eu (universitários), meus irmãos (entre 25 e 35 anos) ou meus pais (acima dos 45). O grande mercado volta-se para as crianças, adolescentes, pessoas que, muitas vezes, não tem o poder ou a ciência de refutar aquilo que lhes é empurrado pelas rádios e emissoras de TV.
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Sabe qual o motivo de algumas pessoas celebrarem e (perdão) pagarem um pau pra tudo o que é associado ao termo "alternativo"? Pois são produtos/arte que sobreviveram e perduraram, ao menos na memória de alguns, perante o repúdio da grande mídia (na maioria das vezes sem o apoio financeiro ou moral das empresas de comunicação). Só por existirem, os "indies" dão a certeza de que o ser humano ainda é capaz de ser criativo e orgulhoso daquilo que produz - no caso da música, encarada como diversão e arte pura. As corporações de mídia, óbvio, perceberam isso muito antes de mim, por exemplo, e fazem o favor de, quando em vez, presentear o mundo com algum arroubo de inspiração crua.
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Mas, voltando ao pensamento incial: de onde vem a inspiração? Auto referências, cultura gerando cultura, o pop e o erudito mesclando-se nas calçadas da Rua Augusta (toda cidade grande tem sua Augusta) em meio a cigarros, cervejas, drogas, mulheres e homens no sentido mais bíblico. Amor. Ódio. Experiências ímpares, como olhar pro céu e conseguir ver estrelas e luzes verde-amarelas. Sentimentos. Cada um tem seu ideal de vida, e eu acredito piamente que muitos escrevem músicas boas, mas só alguns conseguem criar obras de arte, justamente porque sabem o que é ideal para que a própria vida seja perfeita. Saber apenas, e não ser, necessariamente, já basta. Se, além disso, conseguir que os outros olhem por seus olhos, está montada a equação da arte.
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The Strokes e Los Hermanos pegam no meu calcanhar pois vivo o meu momento Strokes e Hermanos mais do que nunca. Ontem estava Silverchair. Amanhã estarei Chico, quem sabe. E assim seguimos. Pois é, Julian, é bem difícil de explicar.