Avenida dos Sonhos, 1988

Escritos cômicos e cósmicos...

quinta-feira, agosto 28, 2008

Antes dos "Subúrbios"

Difícil entender. É muito duro dar conta de ler uma obra-prima sabendo-se que, se gostar, você pode considerá-la a melhor de todas e, se for ruim, desmerecê-la e ficar chateado por talvez não entender o sentido que o autor tenha passado através de suas palavras expostas de forma tão impar. Em Dom Casmurro, de Machado de Assis (sim, o mesmo que no colégio você ouvia falar, dentre tantos outros que, certamente, ainda falarei algum dia), não há nada disso. Apesar da pressão cultural e da provável falta de interesse por saber a história sem ter nunca aberto suas páginas, quando o fiz, fui tragado pelo mais belo (e melancólico) enredo realista que tive oportunidade. A obra é um verdadeiro retrato das relações humanas e pode-se dizer que trata de dois temas nada simples: o amor cego e o ciúme doentio.

O primeiro, destacado pelo próprio autor como “o primeiro amor de infância”, bonito, puro, obtido através dos planos e das vontades de Capitu, para mim, a verdadeira personagem principal, aquela que faz a história mover-se. O segundo, uma conseqüência clara do primeiro: quem fica cego ao amor por muito tempo, quando começa a enxergá-lo, vê muito mais do que quer. E foi isso o que Bentinho viu: seu amigo, seu melhor amigo, depois de morto, atracando-se com sua esposa, a única mulher que amou na vida. Desde a primeira olhadela (a moça na janela, o amigo saindo de sua casa) o receio surgiu, mas foi disfarçado com o passar do tempo.

E vieram os melhores dias de sua vida: o casamento, a formação em Direito, a amizade que parecia perpétua e, claro, um filho. E foi esse filho que fez tudo desandar. “O filho é a cara do pai!”, infelizmente para nosso anti-herói. Na eterna dúvida sem resposta, Bentinho martirizou sua mente numa série de pensamentos sem nenhum embasamento, crendo que suas suspeitas estavam mais do que comprovadas. Seu filho, uma cópia quase exata de Escobar, seu colega de seminário, seu confidente, e, a partir do momento que percebeu a semelhança, aquele que roubou sua vontade (e felicidade) de ver e viver a vida.

Não cabe a mim decretar se Bentinho estava correto ou não em sua dúvida (que tornou-se perdição), mas posso enumerar alguns fatos, que já devem ser de conhecimento do público geral, e não custa nada salientá-los (aviso, se não leu o livro, pare por aqui): Capitu, orgulhosa que fosse, se amasse Bentinho como ele a amava, teria partido da forma que partiu? E digo mais, em defesa a ele, que, se fosse para viver ao lado de Capitu com a dúvida, preferiria a morte, como o livro deixa bem claro. Será que custava a Capitu defender sua honra, defender-se de acusações tão levianas? O amor, a história construída ao lado do marido não valia mais a pena do que seu orgulho ferido? Se não o fez, ao menos, era por ter sentido, algum dia, num tempo remoto, certo afeto pelo falecido. Ou, como na minha opinião, ter-se aventurado numa paixão momentânea, sem sentido, mas mesmo assim, desleal e cruel a quem a estimava tanto.

Mas não podemos ter certeza de nada! Isso é o que torna o livro tão bom, caso contrário, seria mais uma história de amor e dor. A linguagem, metalingüística, é ainda mais convidativa ao leitor, que tem a impressão de estar lendo memórias. É impressionante saber que se tratam, sim, de memórias, mas de um personagem fictício, que parece ser tão real quanto as ilusões, as impressões e as sensações que o relato nos faz acompanhar e curtir, palavra por palavra. Não é à toa que é obra obrigatória para quem se diz “amante da leitura”, e só podemos agradecer que ela seja. Como lembrado anteriormente, mas fazendo um adendo, Dom Casmurro não é só a obra-prima de Machado de Assis, mas a obra-prima nacional, do romance brasileiro, do ciúme e do amor, enfim, de tudo que nos alude aos sentimentos naturais do ser humano que ama e sofre por fazê-lo.

sábado, agosto 23, 2008

Retrato da Consciência

Todos os pecados de um ser humano transparecem em sua face. É nítida a percepção de um homem para outro, quando se olham nos olhos e percebem o vazio de sentimento ou a abundância deste. As rugas de expressão são sinais do envelhecimento ou das seguidas tensões dos músculos faciais causadas pelas sensações diversas (alegria, tristeza, ódio, êxtase...) e são o retrato de uma vida, não importando o caminho que seguira.

Esses caminhos podem ser confusos e difíceis. O mais fácil, claro, é o errado, o mais gostoso, sórdido, que nos leva a regozijar e, em seguida, temer as conseqüências. Quando alguém mata uma pessoa não se espera que ela fique contente, saltitante pra lá e pra cá, mas sabe-se que a adrenalina que é liberada no exato momento do disparo de uma pistola é superior à mesma quantidade liberada num pulo de bungee jump. E quando a pessoa mata a outra com uma faca?

Desculpe, esse início sombrio serve apenas para ilustrar como o homem está sujeito, única e exclusivamente, às suas vontades, boas ou más. Desde cedo aprendemos o que é certo e errado, mas o referencial, muitas vezes, nos leva crer que nem sempre o que é certo é realmente certo. Desvio de conduta, falta de caráter, desinformação, ignorância, alguns dos motivos principais para haver hoje em dia tanta violência gratuita por aí. Tornou-se um esporte, uma forma simples e rápida de dar algum sentido em sua existência (mesmo que este seja o de tirar uma vida).

Mas e se alguém realmente não pudesse sentir as conseqüências? Não digo as conseqüências legais, que já são defasadas por natureza, mas as conseqüências idiossincráticas. E se a consciência não pesasse de forma alguma? Há casos que, por exemplo, um assassino não se arrepende de ter matado, mas com absoluta certeza, em seu interior, ele nunca mais será alguém tranqüilo, sem nenhuma preocupação em relação a esse tipo de coisa. Agora imagine, além de ter cometido uma atrocidade terrível, não sentir culpa, não se sentir errado de alguma forma?

É exatamente disso que O Retrato de Dorian Gray, do autor Oscar Wilde, trata, de um homem sem consciência. Ele a deixou trancada num quarto escuro para que nem mesmo ele a visse e se deparasse com o terror de seus atos. Seus amigos próximos começam a suspeitar quando o próprio Dorian cansa-se de uma vida inconseqüente, e é quando seu mundo começa a desmoronar a seus pés.

A austeridade de uma sociedade hipócrita como a Londres do fim do Século XIX torna tudo mais instigante, como crimes que hoje em dia nada significam, não possuem valor algum. Dorian sofre as conseqüências de seus atos, afinal, por tentar tomar para si, por escolha própria, toda a culpa que na verdade não sente, todo o remorso que permanece escondido e jamais seria libertado caso não houvesse intervenção.

A Dorian Gray foi dada uma dádiva que se transformou em maldição, mas apenas pela escolha de seus atos. É difícil descobrir se todas as maleficências por ele causadas ou diretamente interligadas ocorreriam se o quadro não existisse. Curioso perceber que no primeiro de seus seguidos atos de “má conduta” ele não tenha sentido remorso e no último deles, de bem menor importância, tenha sentido todo o peso acumulado de seus pecados. Conclui-se que, por pior que seja, é melhor deparar-se com os erros do que adiar o inevitável momento de confronto, pois a força do impacto será, com certeza, mais esmagadora que até então.

quinta-feira, agosto 21, 2008

A Ilha - Um repórter brasileiro no país de Fidel Castro

“A Ilha”, de Fernando Morais, é o relato de uma sociedade que, após períodos de intensa conturbação social e política (herança de um governo omisso e anos de exploração externa), ajustou-se com a força do próprio trabalho, absorvendo toda a boa influencia de países “amigos” e ignorando, até mesmo fazendo frente, aos “monstros” capitalistas, inimigos declarados de modos (e ideais) de vida completamente diferentes.

Cuba estava praticamente esquecida por seus governantes, como o ex-presidente Fulgêncio Batista, e o exército, seguindo um ideal revolucionário, lutou para libertar a nação da dependência norte-americana, país que era, ao mesmo tempo, seu maior comprador e fornecedor. Da noite para o dia (após a Revolução) os Estados Unidos tornaram-se o maior inimigo da “ilha”, e a então União Soviética ocupou o lugar de mantenedora do novo regime comunista instalado. Fidel Castro foi o líder máximo da Revolução e, assim, emergiu como o primeiro-ministro de Cuba. A ligação do país com a U.R.S.S. estreitou-se ano após ano depois da tomada do poder pelas Forças Armadas.

Na época em que Fernando Morais, o autor, visitou Cuba para a produção de seu livro-reportagem, a ilha já passara pelos seus primeiros dezesseis anos de comunismo, e os bons resultados surgiam com maior facilidade do que no início desse sistema de governo. Interessantíssimos dados sobre a educação, a saúde, o modo de produção, o trabalho, etc, instigam o leitor e fazem com que se imagine um país perfeito, onde todos ajudam o próximo e tudo funciona de acordo com o planejado, para satisfação desde a criança de 42 dias de vida, numa creche em tempo integral, até o idoso, em sua cama num hospital público de ótima qualidade.

Em contrapartida, fica evidente (nem tanto para um leitor menos atento) a falta de liberdade de um povo que se considera muito feliz. Talvez isso se dê por não conhecer os “prazeres” que o consumismo proporciona. Longe de minha concepção julgar o que é bom ou ruim para alguém, mas é de se pensar que quando surge uma declaração despretensiosa contra o governo, há diversos olhos e ouvidos atentos, esperando para fazer um comentário maldoso, para, às vezes, tomar iniciativas hostis apenas por uma divergência de opinião, e restringir a possibilidade de se expressar e agir da forma que quiser, sem ferir os interesses alheios, como se fosse um crime contra o Estado.

É visível, também, como o povo se sente parte do Estado. Claro, é uma peça essencial do mesmo. O modo de produção e trabalho mesclado com esquemas educacionais funcionaria bem em qualquer lugar do mundo caso todas as pessoas se dispusessem a entregar 18 horas diárias a essa tarefa. O problema aqui é a escolha. Claro que no caso de Cuba essa opção era a salvação: o país pobre, sem perspectivas, numa sociedade desigual. As alternativas: morar em favelas e não saber se a janta estaria sobre a mesa ou trabalhar para construir sua casa, plantar seus alimentos e ter a certeza de ver toda sua família mantida por um Estado que cumpre o prometido.

Ao fim do relato, o saldo é positivo levando em consideração a situação anterior aos acontecimentos de 1959, mas deixa a desejar quando se sabe que o país parou no tempo e que seus habitantes, infelizmente, nem se dão conta disso para tomarem uma decisão, para fazerem uma escolha, seja ela qual for. De qualquer forma, "A Ilha" é leitura indispensável tanto para quem defende como para quem mete o pau no comunismo e seus ideiais utópicos (ou nem tanto).