Avenida dos Sonhos, 1988

Escritos cômicos e cósmicos...

segunda-feira, janeiro 30, 2012

2012 seria O Ano

Se seguíssemos a tendência das grandes conquistas do ambiente em rede para seus usuários até ano passado, poderíamos esperar que 2012 coroasse a geração Millennium - a mesma que fez os protestos saírem das telas dos computadores e tomarem as ruas, das reações às políticas desorganizadas dos governos e corporações, políticas que comprometem o bem estar dentro e fora da internet.


Primavera Árabe, Occupy, os Churrascos brasileiros, todos os movimentos estão envolvidos, de alguma forma ligados pelo mesmo ideal que se reacendeu em meio ao - ainda - provável caos financeiro que 2008 trouxe de volta à sociedade capitalista, ou seja, a todos nós. A batalha entre os utópicos ideais de liberdade em uma rede aberta aos usuários versus a realidade opressora das grandes corporações que consideram (erroneamente) a disponibilidade da internet uma inimiga já começou, e, mesmo que não pareça, estamos perdendo.


Prova disso é a desorganização da nossa parte, de quem tem argumentos válidos e aplicáveis contra o sistema, mas que não consegue transmití-los. Por aqui, o último exemplo de neo ativismo, contra a desocupação de Pinheirinho, não surtiu resultados práticos, apesar de reforçar que os questionamentos às autoridades são mais do que permitidos - são necessários para uma convivência digna. Afinal, polícia serve para proteger, não para oprimir, seja qual for a parcela da sociedade em questão, a mais rica ou a mais pobre.


A (irônica e surpreendente) falta de comunicação entre os que mais utilizam a rede é o seu maior ponto fraco. PIPA e SOPA, apesar de pesos-pesados que estão sentados recuperando-se do choque, ainda são ameaças constantes, talvez sob outros nomes e estratégias. O ACTA europeu, que maquiavelicamente manteve-se abaixo dos radares até a divulgação de que diversos países já haviam assinado, sofreu poucas represálias, ao menos nas proporções dos protestos contra os projetos americanos, e segue em curso para uma aprovação descabida, sem o aval do povo, como ordenam as reais democracias.


As liberdades de expressão significam pouco para grandes corporações - e não dá para esquecer que as empresas de internet, mesmo que teoricamente devedoras ao pensamento liberal, também fazem parte da nebulosa teia corporativa. O Twitter, tido como o grande veículo de comunicação responsável pela maior revolução pró democracia dos últimos 15 anos, corre contra a maré e submete-se às decisões de países totalitários para “não perder terreno”.


Independente da posição oficial, o exemplo do Twitter pode desencadear uma reação negativa entre os usuários e seus grandes parceiros, como o Facebook e outras redes sociais que permitem o livre acesso a qualquer conteúdo disponível. Se a internet - ou os seus principais expoentes -, que já se limita por conta própria a fim de não ferir nenhuma legislação em específico, continuar a colocar os interesses alheios acima de seu principal objetivo, que é o de uma comunidade livre e conectada, 2012 será lembrado como o primeiro passo para o fim da rede como a conhecemos.


Não existem soluções simples. Sem dinheiro, a rede poderá ser dada como morta, mas sem o apoio dos usuários, os grandes responsáveis pela sua atual relevância, a fará sobreviver como um zumbi. É essencial que haja uma organização de ideias para que políticas estruturadas sustentem os pilares básicos da comunicação virtual - acessibilidade, agilidade e credibilidade, para ser econômico -, caso contrário, nós já perdemos, mesmo que eles não tenham vencido.


Foto: Agência Estado na desocupação do Pinheirinho.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

400º Pynchon

Ainda estou digerindo a ideia, mas, aos poucos, vou me conformando que, em um ritmo alucinante, no fim da vida terei lido quatrocentos livros. Apenas. Estou com 22. Fiz a conta pegando o número de obras que desfrutei até hoje - cerca de 40 - e a média de livros que devoro por ano, seis, na minha velocidade-tartaruga. Chutando a data de minha morte lá para 2070, restam-me pouco menos de seis décadas para realizar todos os feitos que um ser humano pode se dar ao luxo de concretizar em plenas condições físicas e mentais. Só quatrocentos. Quisera eu que a literatura essencial do universo contasse com apenas quatrocentos exemplares.


Por sorte - ou destino... “estava escrito!” -, conheci há pouco mais de um ano um autor norte americano que pode preencher essa lacuna cultural para a ocasião sublime que é a vida humana na Third Rock. Thomas Ruggles Pynchon, Jr. não é apenas um dos canais que as entidades superiores do pós-modernismo escolheram para representar sua vibrante e magnífica voz. Não. Aliado de bom gosto, eruditismo e a petulância de ter nascido no século XX - longe de outras mentes equivalentes da literatura -, Pynchon encara o mundo - não os jornalistas - e o transcreve com os olhos de um velho, um ancião tomando sopa, que espera a morte depois de ter vivido por eras a observar as potencializadas reações do animal humano.


Rasgação indevida? Talvez, não li (ainda) tudo de sua Magnum opus. Mas O Arco-Íris da Gravidade é um daqueles escritos cósmicos, que na primeira linha - “Um grito atravessa o céu. Isso já aconteceu antes, mas nada que se compare com esta vez.” - já é capaz de distorcer os metais sobre a cabeça do leitor. Páginas e páginas de paranóia, relatos históricos, sonhos, fantasias bipolares de amor e ódio, o conjunto de ideias dos mais impressionantes que um jovem frequentador assíduo de leituras diversas já se deparou.


Nada de one hit wonder. Até mesmo a menor de suas novelas, o malfadado-por-ser-novo-e-menos-pé-na-porta Vício Inerente - que ainda estou pegando no tranco -, procura travar uma batalha contra a metralhadora de palavras-pensamentos-crime que é a força motriz de sua inspiração e abundante produção. Com enredo simples, direto e relativamente árido, a trama e seu autor encontram espaço para divagar sobre aspectos da vida suburbana na costa oeste americana no início dos anos 70 - que poucos romancistas são aptos por não terem vivido o período tão à flor da pele, ou seja, sem uma referência consistente da efervescência contracultural que influenciou e foi influenciada por seus expoentes máximos, como o próprio Pynchon. Fãs da série Starsky & Hutch, sucesso da segunda metade daquela década nos Estados Unidos, e do pai do gonzo jornalismo, Hunter. S. Thompson, são os que mais se deliciarão com as 464 páginas da versão brasileira, que apesar de não prender os olhos, funciona ao executar um bom meio de campo entre o mundo real e entediante daqueles dias e o imaginário doidão de um detetive particular louco de maconha e LSD. Amor, mistério, crime, a salada toda com um tempero ácido.


Publicado na terra do Sarney pela Companhia das Letras, o acervo do autor estadunidense é, de certo modo, muito vasto, apesar das poucas obras em mais de 40 anos de carreira - sete romances, apenas cinco no Brasil, e uma coleção de contos inexistente por aqui. A vastidão citada refere-se ao volume de sensações diversas que uma única hora de leitura pode proporcionar a quem se aventurar por entre as páginas carregadas de significados. Se o quadringentésimo volume não for colhido da estante no alto de meus 80 anos, nada de perturbações pueris. Pynchon estará sempre ao alcance dos meus ávidos e já cansados olhos.

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P.S.: E aqui temos Pynchon defendendo ninguém menos que Ian McEwan (autor-sensação do romance Reparação, vencedor do British Booker Prize – e o livro pegando pó na minha estante) das acusações de plágio contra a realidade. A carta que fez o autor escapulir do sumiço está ali, clara e limpa. As mentes se protegem nesses momentos de crise intelectual.