Avenida dos Sonhos, 1988

Escritos cômicos e cósmicos...

terça-feira, maio 16, 2006

São Paulo e o caos...

Eu me lembro da festa de 450 anos da cidade. Teve show do Caetano Veloso e tudo. Super bonito. Eu estava em casa, acho que tinha acabado de chegar de algum lugar que não me recordo qual. Lá, olhando para a televisão, eu compreendi que amava o chão que pisava, o ar (mesmo fétido) que respirava, as pessoas que eu olhava, os sons que escutava. Amava tudo dessa cidade, que desde cedo sempre tive o maior orgulho. "São Paulo, a locomotiva do Brasil!", esbanjavam-se muitos, mas o meu amor era muito maior que isso. Um sentimento natural que não adquiri de ninguém. O puro amor que ficou travado no meu coração, e não ia sair de lá tão cedo.

Lembro-me também desse último aniversário da cidade. Eu estava na Av. Paulista, completamente vazia. O grande letreiro do Itaú mostrando as horas. Eram quase onze (ou um pouco depois disso), e comigo estavam grandes amigos. Estávamos indo na direção do divertimento, do prazer, que não me lembro se era um bar de rock, ou algo que deveria ser do tipo. Mas assim como Caetano Veloso havia me marcado anos atrás, esse ano o que me marcou foi o grande letreiro do Itaú informando as horas.

E então, certo dia, estou voltando de Vila Nova Cachoeirinha, num ônibus que me levaria até a estação Santana do metrô, às 5:40, mais ou menos, para lá eu entrar num dos vagões. Desço algumas boas estações depois, lá na Saúde, para pegar meu ônibus que me deixa na porta de casa, sem ter a mínima noção de que o caos estava se apoderando de São Paulo. Na manhã seguinte, ainda alienado da situação, não entendo quando um amigo me informa que a cidade está sofrendo severos ataques do bandidos foragidos, que São Paulo está quase em Guerra Civil, que policiais, bombeiros, guardas-florestais e civis estavam sendo mortos, alvo da facção criminal PCC.

Infelizmente, nos dois dias que se seguiram, nada de muito diferente aconteceu. Mais policiais, bombeiros, guardas-florestais e civis morreram. Eu fiquei com medo de que a situação não se normalizasse, mas logo esse sentimento desapareceu, e deu lugar à revolta. Revolta contra o governo, contra os policiais, coitados, contra os malditos líderes do PCC, contra muita coisa, até que me dei conta que isso já era mais do que esperado. Só serviu para abrir os olhos da população para mostrar quem é que mantém a ordem por aqui. Serviu para mostrar que devemos, sim, ter muito medo de sair às ruas, que devemos voltar para casa as oito horas da noite, que devemos ser reféns do medo, que devemos acreditar piamente em boatos plantados, que devemos entrar em pânico...

E numa plena terça-feira, finalmente, veio a mim a vontade de chorar, perfeitamente canalizada em palavras, não ditas, mas escritas num arquivo de computador, que parece ser mil vezes mais inteligente do que muitos seres-humanos que nos "comandam". O que nos levou a isso? Qual foi o erro maior? De quem foi o erro? Perguntas sem respostas, cada vez mais martelando a nossa cabeça. Será que a gente merece isso tudo? Será que não basta de exemplo outras nações que vivem em guerra, ou, até mesmo, não muito longe, outros estados brasileiros onde o crime é a lei, e o estado é apenas um refém? Será que São Paulo não tem condições de evitar uma afronta como essa, sendo o que é, o mais populoso, o mais rico, o com maior repercussão nacional e internacional? Será que teremos de aguentar outras atitudes como essa de pessoas sem um mínimo de respeito por ninguém, por uma simples demonstração de força? Não. Não temos de admitir nada disso que aconteceu, não podemos deixar que isso ocorra outra vez. Mas outra pergunta surge: o que nós poderíamos fazer para evitar fatos vergonhosos como esses?

Sinceramente, eu paro por aqui, pois me lembro que não deveríamos nos preocupar com isso. Essa é a razão de haver um estado. O dever deles é manter a ordem, controlar o caos, fazer vigorar a lei que nos protege, a lei que tanto lutamos para conseguir. E quando me pego pensando nisso, nada mais parece fazer sentido. Nada mais importa num mundo onde não há nada entre você e a morte eminente, entre você e o desespero, entre você e o caos. Só me resta desistir, ou, melhor dizendo, deixar que os outros desistam por mim.

sexta-feira, maio 05, 2006

Sonhos! (e o fim deles...)

E como diria o poeta, "Há quem diga que todas as noites são sonhos... Mas há também quem diga que nem todas, só as de verão. Mas no fundo, isso não tem muita importância. O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos...".

O que seria de nossas vidas sem os sonhos? Sonhos que alimentam as esperanças. Esperanças que alimentam nossa garra. Garra que alimenta nossa força. Força que resiste a tudo que há de mau. Mau esse que corrói os corações alheios e nos despoja de qualquer sentimento bom e glorioso, que nos impede de ter sonhos...

Certa noite eu sonhei que eu levava uma vida completamente diferente: outra família, numa outra casa, com outro rosto e outro corpo. Me senti tão à vontade com meu novo eu, que era como se estivesse de volta àquilo a que pertencia realmente, originalmente, como se já tivesse vivido todos aqueles novos momentos. Quando acordei, assustado, depois de breves segundos, senti uma saudade tão grande daquilo que jamais vivi que quase comecei a chorar. Coisa boba...

E então percebei, desde aquele dia, que os sonhos nos completam, fazem parte de nós. Sejam eles sonhos abstratos, como o que descrevi, ou concretos, como o desejo de ter uma carreira, ter filhos, ter, sei lá, um milhão de dólares em barras de ouro. O importante é nunca, jamais, deixar de sonhar, deixar de imaginar "como seria?", deixar de pensar em coisas extremamente absurdas, mas que fazem felizes àqueles que as sonham...

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E o Corinthians perdeu... Tristeza geral da nação corinthiana, ainda perplexa com a reação da torcida organizada, comportando-se como um bando de animais raivosos...

Vergonha!

E foi-se embora o sonho do Corinthians de conquistar a Taça Libertadores da América (mais uma vez...), e foi-se embora o meu respeito pelo futebol que eu vinha adquirindo nos últimos tempos (mais uma vez...) e foi-se embora a dignidade dos derrotados, daqueles que não sabem perder (mais uma vez...).

quarta-feira, maio 03, 2006

É ano de Copa! Vamos começar a tocer. Por tudo.

Futebol! O que corre nas veias do brasileiro? Será que alguém coloca alguma coisa no leite das nossas crianças? Aliás, no Leve-Leite delas? Impossível pensar em Brasil e não pensar em Futebol. Indiscutivelmente mais importante que todas as crises políticas pelas quais passamos (tudo bem, só passei por essa última, que tenha consciência...), o Futebol (com letra maiúscula) nos coloca num patamar cultural elevado: O País da Bola. Quando ela está em jogo, todos os problemas desaparecem, todas as preocupações parecem ser pequenas, ninguém liga para o que está do lado de fora do estádio (ou da TV), e isso apenas nos diverte mais do que qualquer outra coisa naquele exato momento de regozijo. Quase uma obra de arte, feita para nos entreter em momentos de estresse e tédio, características comuns da minha geração e das anteriores (geração essa que, certo dia, escreverei sobre também...). Um espetáculo universal, com apenas o propósito de enfiar a bola no gol... Gol que atravessa a linha, e chega nos corações daqueles que amam o esporte como a si próprios. E ouve-se o grito de felicidade, explodindo da boca do povo: GOL!

Grito que abafa quase todos os outros sons desse Brasil: A voz da moça que andava por essas ruas desertas, gritando de desespero quando atacada por dois maníacos sexuais que estupraram-na até o limite da própria dor "e com a camisa da torcida por cima de seu rosto, não conseguiram ouvir seu último suspiro"; a voz da mãe brigando com seu filho, tentando obrigá-lo a ter uma vida decente, enquanto a mente do rapaz está, no momento, direcionada na televisão do vizinho, mas, ainda assim, com preocupações na sua cabeça, como a dívida com os traficantes, a certeza de que, se não conseguir se livrar dessa, não terá outra chance de assistir a um jogo... Preocupações? Sim, claro, como não... Não era o seu time que jogava; o som do tilintar das moedas, junto com notas, roubadas de uma loja em cima de uma mesa de vidro, manchadas de sangue (não daqueles que as carregavam), trazendo a história na cara, e a vergonha na coroa; e, por último, o som do arrastar dos pés de uma dança de políticos, felizes da vida: mais um colega havia sido inocentado! Poderiam até comemorar com o vinho que o senador encomendara, na casa do ministro, com as três putas prediletas do presidente, e, ia quase me esquecendo, dois a zero! Noite perfeita...

O que não se ouve (pois ninguém tem coragem de dizer), o que apenas se vê, se sente, no fundo do coração, é a vergonha, a tristeza, a desesperança, a chama apagada de uma tocha que nunca esteve por muito tempo acesa, e, quando esteve, uma luz fraca e pálida não conseguia iluminar nada além dela mesma. E não existe mais o medo, pois, no lugar, o conformiso tomou conta, e o que nos resta, num mundo de cada um por si, é rezar pela vida de vossos filhos, apagar a luz e esperar a partida terminar.